Filmes a serem exibidos em março de 2010, com lançamento do filme Amaxon.
FILMES DE LONGA-METRAGEM
(em ordem de exibição)
1. AMAXON (pré-estréia)
Laura Marques é uma escritora de sucesso. Ela é casada com um apresentador de tevê chamado Lourenço Marques. Laura sai da grande cidade e se refugia em sua casa de veraneio para escrever um novo livro. De lá ela pode observar a imensidão do mar e nele buscar a inspiração para toda a sua obra, aclamada pelo público e pela crítica. A história começa quando ela escreve o final do último capítulo de “Os Homens que não Tive” e finaliza toda a escrita, feita a mão, com sua caneta tinteiro. Digitalizado o texto ela remete para o seu editor. Antes de voltar para cidade, uma série de acontecimentos sinistros na natureza transforma o seu universo existencial. O que é prosa torna-se poesia e depois ficção. Realismo fantástico. Um mundo dual e agressivo. Mundo onde o sentir se apresenta como sendo um novo texto. Onde o ver, maquiando a criação em uma nova roupagem, propõe uma nova imagem, um novo som, nunca ainda experimentado. É o despertar desse novo momento da criação que a história conta. O renascer pela verdade mágica da arte oculta na poesia e em prosa cinematográfica - Entre a prosa e a poesia, tudo é novo! Tudo é verdade! Tudo é mentira! Tudo são sonhos e às vezes pesadelos. Esses são os processos criativos em que ela se envolve: A escrita fala, narra e dialoga com ela. A memória é viva, sem limite e se expressa por imagens cinematográficas, citações perdidas no tempo. Essa nova roupagem quer buscar no entendimento dos fatos, na lucidez dos seus últimos dias, o barco, a fuga, que leva a sua personagem para o transmutado e tempestuoso mar, sofrendo, no desespero do conhecimento, uma profunda solidão. É preciso que o mar novamente invada a terra, transformando a paisagem do grande continente em uma ilha, para que o equilíbrio, justo e universal do ser criador, possa ser reconquistado. É nesta ilha habitada por Calibã, que Laura, filha de Próspero, nasce uma nova mulher, uma deusa - Amaxon! Uma guerreira. - O filme é um manifesto poético sobre a arte da criação em um mundo desequilibrado, perdido, sufocado e desesperado. É um filme dos significados e dos significantes mais profundos do ser e do não ser.
AMAXON (Primeira Crítica)
“Uma coisa são sempre duas: a coisa mesma e a imagem dela. ”CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE “AMAXON, UMA ODISSÉIA NA CRIAÇÃO PENSADA “Em memória de Jairo FerreiraTalvez tenhamos nos transformado nessa máquina horripilante de negação dos sonhos! E no que trituraram todas as singularidades, fomos transformados num exército de múmias, de burocratas, de deslumbrados e idiotas. Uma nova encenação do que seja, não pode ser mais uma condenação a nociva prostituição, achatada à TV. Deve-se ousar na desarmonia, do desnudamento da carne e do abandono na subjetividade. Ora, se o cinemão se realiza sem subjetividade criativa alguma, a nós deve interessar fundamentalmente uma nova linguagem gerada na teatralização de transcendências. Acrescente-se a isso que o país vive do seu esvaziamento a 509 anos, e mais programadamente a 55 anos. Ou seja, desde o golpe militar de 1964. Ora, como purificar artesanalmente esta quantidade infindável de urina e excremento?“AMAXON” é um esforço poético-radical, para nos fazer pensar na complexidade do processo criativo. Ora, de que nos adianta fazer trabalhos de encomenda? Cinema virou filminho publicitário? O que muda nessa falência global de desencontros? O mundo hoje visto pela TV, é só o lixo como mercadoria de quinta, obviamente espetacularizado. Putas e canastrões são vendidos como profundos e sensíveis. Mas a quê? A “nota”? José Sette vai no sentido contrário de tudo e todos, elaborando com o seu terceiro longa-metragem, uma projeção de palavras a serem pensadas, fazendo um delicado filme que dá representabilidade a um pensamento sombrio expressivo, nessa sua transfiguração da normalidade do processo de criação. Sette vai aos extremos, numa escalada implacável rumo à uma poesia ainda que delicada, difícil para o grande público, todo condicionado a Hollywood e a TV. “AMAXON” é o hospital-Brasil, em que todos somos condenados. A personagem da escritora reage ao internamento e tratamento, e se debate com uma coragem incrível. A linguagem do filme atravessa uma infinidade de vísceras, infernos e imaginações. A carne-viva exposta, torna-se uma espécie de gozo-trágico. Um filme-dor que nos remete ao teatro de Artaud. Incomodo aqui. Indizível ali. Longe e próximo de todos nós que sobrevivemos ao apocalipse de 1964. Não poderia ser um filme diferente. Foi difícil não apodrecer junto, e continuar sonhando com um Brasil mais justo, humano e para todos. Ainda assim, salvaram-se os poetas e artistas. Vera Barreto como escritora, é uma espécie de vísceras expostas; sendo recolhidas para continuar a ser demasiadamente humana.Pouco importa que não seja um filme fácil, ou para muito. É cinema! Uma cinema que emerge de toda essa putrefação de 1964 à 2009. Sette trabalha com precisão a sua não-linguagem fácil, pois lhe interessa mais um fluxo poético de contradições gramaticais voltadas para o pensamento-profundo e o cinema autoral. É o velho-jovem cineasta independente que agiganta sua escritora na solidão e na coragem de não ser comum. Que entre só sofrer e morrer, prefere escrever enfrentando os seus muito demônios. Que lê, bebe, fuma... se debatendo entre contradições geradas na TV, por um jornalista que como todos, espetaculariza o caos ameaçando com a onda gigantesca, definitiva. Onda que até é mostrada, mas que não chega pois é apenas uma manipulação da comunicação, do dinheiro e da morte que sempre nos acompanha.E se a representação do mundo e da política se tornou imbecil, compete a arte transformar todo esse excremento, numa espécie de teatralização de uma “escrita-física” que Vera Barreto faz muito bem, num trabalho raro e exemplar, onde se realiza em sua intimidade frente a insatisfação da obrigação: a do livro de encomenda que precisa ser escrito. E uma vez mais, o conceito de subordinação ao dinheiro como a arte terapia dos tantos e tantos eletrochoques de nossas vidas. É onde os porco se acham mais fortes.Entre livros e copos de vinho, em sua solidão pensa na grande onda da sua insatisfação. A onda que está fora, está dentro e que desencadeia contradições levando-a nua aos seus próprios limites grandiosos de exposição poética. É uma escritora, mas é também atriz e mulher. E que ao entregar-se as suas pulsões transforma-se em crítica de si mesma, ainda que aguçando o seu desprezo pela “lógica” imperceptível da mercadoria e do consumo. O sistema sabe bem o que faz, e se não tivermos um mínimo de sonhos, seremos transformados em imagens despotencializadas e vazias. A TV não faz isso todos os dias?Sette não faz um cinema-coisa, a logo ser esquecido ou descartado. Nesse ponto aproxima-se de Tonacci, Sergio Santeiro, Eliseu Visconti, Jorge Mourão e da nova geração. E se “o mundo é apenas engano”, como afirmava François Villon, “AMAXON” o subverte desprezando o patamar qualitativo do sucesso fácil. Arbitrário como postura, investe no estilo insurrecional como ruptura e negação do obscurantismo avançado da domesticada política cultural do governo, seja lá de que Partido for. E não são todos iguais lutando apenas pelo poder? E se a chantagem e o obscurantismo servem ao poder, de nada serve um cinema essencial a representabilidade de uma vanguarda que não conseguiram matar. E que hoje convence muito mais que no passado.É preciso frisar a importância de um filme feito do nada e que não se reduz a razão que tudo tenta explicar. Nesse sentido reintroduz no cinema brasileiro, complexas subjetivações necessárias ao crescimento de um público menos contaminado por Partidos, por prostíbulos e pela TV, pois transgride permanentemente a ordem como instituição sagrada. A Sette e sua equipe interessa abandonar o manicômio das disciplinas do certo e do errado, sem sacrificar mais nada. Ao seu cinema interessa as diferenças e os deslocamentos possíveis, como acesso a um permanente ultrapassar-se. Sua trajetória é impar no nosso cinema. É um experimentador muito além do buraco negro em que transformaram o cinema brasileiro, e que fez um novo filme de uma lucidez atrozmente insuportável.Sette torna profundo e feminino o discurso da personagem da escritora, e com suas imagens poderosas desfaz o território pouco ou nada significativo da TV, pois faz Cinema! Dá significação a um novo olhar. Enfim, produz intensidades poéticas. “AMAXON” são pedaços restituídos a um corpo ainda que amordaçado pelo tempo que passa para todos, poderoso e uma vez mais agigantado, pois se assume, indo além da representação e da escrita. E a vida que não deveria ser pobre e empobrecida como é, torna-se gozo por parte de todos. Filme infinito ao reinventar a criação simbólica imperfeita. Ainda bem.LUIZ ROSEMBERG FILHORJ, 2009
2. BANDALHEIRA INFERNAL
Um filme de longa metragem, preto e branco, experimental, “... marco do Cinema de Invenção, segundo Jairo Ferreira” filmado em 1975, sem história, sem roteiro, sem sinopse, guiado apenas, durante os sete dias de suas filmagens, pelo sentimento da vida opressiva, paranóica e obsessiva dos perseguidos. Uma metáfora sobre o conflito ideológico-político passado entre a ação e o pensamento repressivo da direita predadora e cruel, contra uma esquerda neurótica, autofágica e confusa. Um filme sobre a perseguição, a repressão e a desumanização do povo brasileiro.
Maré tá cheia!
Era quando o “doce” ainda era “ácido” e os conjurados se reuniam no pier de Ipanema. A mordaça era dupla (e a que apertava mais, podem crer, era a stalinista) e nossos ouvidos eram detonados a “telefonemas”. A saída dos caretas era fazer tudo de uma vez e o mais rápido possível, afinal anunciavam e garantiam que o mundo ia se acabar. Para nós, se acabasse, que importava? Outro melhor, muito melhor, estávamos construindo, pelo menos em nós mesmos, em meio àquela bandalheira infernal.
Foi ele (o que se acabava e de fato se acabou, e no qual hoje em seu entulho vivemos) que o olho-de-peixe do inconfidente José Sette (José de Barros em 78), um pouco à maneira do kino-glass de Dziga Vertov, um pouco ao “Limite” de Peixoto e bastante à sua própria e confidencial maneira, no momento exato da sua derrocada final, registrou em película 35 P&B.
Porém os náufragos de “Bandalheira Infernal” naufragam no asfalto, nos apartamentos de classe média, no trânsito corrosivo das metrópoles, nos morros e florestas da paisagem mágica do Rio de Janeiro, e vivem sempre perseguindo as suas próprias sombras e por elas continuamente sendo perseguidos. Cada quebrada, cada esquina, é a esquina do medo; o medo permanente e neurótico do inesperado, do incerto, do inseguro, o medo, enfim, de si mesmos, de sôfregos penitentes e derradeiros personagens de um mundo que rolou ladeira abaixo. - Mamãe!...
O contraponto deste erro cósmico-kármico-pequeno-burguês, tão bem fotografado neste filme, no ato exato de sua cômica tragédia, e que nos exibe o retrato editado e falado daquilo que até hoje nos faz penar neste paraíso em plena América do Sol, do Sal, do Sul, vem na linguagem libertária do seu discurso cinematográfico, na postura irreverente da sua dramaturgia, na poesia hermética da sua criação, e, principalmente, na revelação de uma nova direção de cinema e de um estilo novo; um estilo de cinema-plástico, gráfico e contemporâneo até a alma. Vejam-no agora na tela: “o antigo que foi novo é tão novo como o novo mais novo”. Navegarbrasiliaterra.
Sim, leitor, estamos falando de Arte, sacou? Arte Maior! Biscoito fino, diamante legítimo, coisa rara, muito rara mesmo, nessa atual maré cheia de mediocridade. Algo para os (não poucos, mas raros) que sabem onde encontrar a essência da beleza e senti-la em toda a sua intensidade. Por isso que malandro (aquele que tem olhos livres e vê) tá sabendo que quando maré tá cheia é melhor entrar na areia. Porque na areia tem mais peixe que no mar.
Mario Drumond
3. O REI DO SAMBA
O meu cinema é poesia e invenção.
Um admirador dos sambas de Geraldo Pereira
Sabe, por suas musicas e letras, cheias de malícia
e de intuição criativa, quais foram os grandes
momentos deste genial compositor.
Traçar um pequeno retrato cinematográfico
de parte da obra e da vida deste mineiro que
foi carioca, mulherengo,malandro, brigão
é que é o xis do problema.
O Rei do Samba é cine-poema musical popular, que leva para ficção o sonho de uma pequena parte da vida e da obra de um compositor brasileiro chamado Geraldo Theodoro Pereira.
O Rei do Samba é viagem de volta, é o novo descobrindo o antigo que foi novo e revelando-o, aos poucos, nas mãos hábeis de cabrochas ocultas e mães de santo alinhadas na encruzilhada dos incrédulos.
O Rei do Samba é o Querebetam secreto das divindades africanas, é ioruba-jeje, vodu elegante de malandras linhas cortadas pelo aço do santo guerreiro no sincretismo da raça afro-brasileira.
O Rei do Samba é a ginga do bamba, na composição moderna e inventiva do samba, no ritmo sincopado do breque ligeiro, no sinuoso corte de uma edição 100% brasileira.
O Rei do Samba é trem de Minas, é bossa nova que leva para o mundo as nossas riquezas, como dizia o poeta Carlos Drumond, “... e ainda da de pinga a nossa pré-história”.
O Rei do Samba é o barroco, é o limite das formas, é o mineiro, é o descobrimento de uma janela mágica no simples vagão de um trem caipira. É o melhor do samba carioca
O Rei do Samba não é um só, são muitos, mais de duzentos artistas, todos competentes amadores, uma extraordinária gente, personagens lendários que se envolveram até a alma neste filme de vanguarda popular.
O Rei do Samba é o cinema popular como forma de expressão criativa e cultural.
O Rei do samba é um filme que dispensou ao povo brasileiro uma atenção única, pois foi feito no nosso seu interior, com ele, por ele e para ele.
O Rei do Samba é Geraldo Theodoro Pereira, nascido no dia 23 de abril (dia de São Jorge Guerreiro) de 1918 em Juiz de Fora / MG.
O Rei do Samba é o malandro brasileiro sambista Gerson Rosa, que comigo subiu o morro do Santo Antônio, em Minas Gerais, para nunca mais voltar.
O Rei do Samba é ficção, é musical, é sobre a vida e as músicas do genial compositor popular Geraldo Pereira. Com
O Rei do Samba é o sambista Gérson Rosa e a passista Rosana Silva.
O Rei do Samba é a fotografia de Mauro Pianta, feita em película Super16mm; é a edição beta de Papaulo; é a direção musical de Kin Ribeiro, com arranjos do pianista Márcio Hallack e é o som direto de Wanderley Nazareth.
Duas Matérias de Jornais:
Sobre o Diretor:
“A Câmara mágica de José Sette” escrita pelo crítico de cinema Ricardo Gomes Leite na coluna de cinema do jornal “O Estado de Minas“:” ... a sua matéria prima cinematográfica encontra-se espalhada por este Brasil afora, ela é a natureza primitiva das coisas e do homem ... mostra que seu cinema não é convencional que não se limita a documentar passivamente a realidade... no enquadramento ele já revela a sua inquietação, sua vontade de expressar sua visão pessoal do mundo - e do cinema. ... um cinema capaz de flertar com uma rocha e de mostrar sua vulnerabilidade... O cinema de José Sette tem a inquietude própria do mineiro, decidido ir até o fim das coisas, é um cinema garimpeiro, explorador, em busca de um instante de magia no interior de um caos aparente.”
Sobre o Filme:
“A gnose do gogó”, crítica escrita por Gilberto Felisberto Vasconcellos, sobre o filme “O Rei do Samba” para o jornal “Folha de São Paulo” em 1999.
“... o que chama atenção foi a ausência de atores profissionais, ... no filme a vedete é o povo. O filme de José Sette tira leite de pedra, é a ficção da ficção, porque não está baseado em nenhum texto literário, nem tão pouco em letra de música. Nem prosa nem poesia. A imaginação foi a sua única quimera e fonte de filmagem... eis aí diante dos olhos do espectador o específico fílmico, porém alicerçado na memória histórica...”
4. LIBERDADE
Minas é o berço da liberdade.
Ficção de longa metragem e documentário sobre os acontecimentos políticos de 1982, ano da Abertura, com a participação de políticos e artistas mineiros, com o ator Ronaldo Brandão e a participação especial do Presidente Tancredo Neves.
“Liberdade é um importante documento sobre a recente história da política mineira. Seu registro de imagens, sua abordagem poética da memória, sua estética que é nova ao documentar a abertura democrática no Brasil, passa da política às artes, cata os cacos do país e reconstrói suas imagens que se achavam perdidas. A dinâmica linguagem do vídeo, novidade tecnológica na época, a edição ágil e enigmática, vai deixar os espectadores surpreendidos, encantados e às vezes assustados com o que surge no monitor.”
Liberdade dos Inconfidentes; de Ottoni; da anti-liberdade no pensamento reacionário de 64; dos românticos de Cuba; do amor e do sonho de outrora; de todas as utopias; da juventude rebelde e indomável; do homem sem medo, sem fome; “Liberdade! Sempre será o primeiro compromisso de Minas com o povo brasileiro.” Dizia Tancredo Neves.
Liberdade em arte, como em toda cultura, é buscar o novo; é aflorar o oculto; é transformar os estilos; é apurar a linguagem; é elevar o espírito do observador. Sei que não haverá mudanças bruscas nos padrões preexistentes de nossa cultura, sem a contribuição do acaso, sem o envolvimento político dos poetas, dos artistas, iniciando a marcha revolucionária transformadora. Creio na revolução – na revelação antropofágica dos trópicos; na mistura dos cânticos; no sol e na sombra; no espaço e no tempo que a todos destrói; e creio na redenção da arte. Este filme foi feito com arte e liberdade.
A posse de alguns documentos que estavam perdidos, cacos do acaso, transformou o estilo do documentário existente, em um ensaio poético do pensamento político mineiro, sem perder a autenticidade, ao contrário, realçando conflitos e buscando a verdade contida em todas as reflexões possíveis do cinema, no pequeno espaço do seu tempo.
Um documento achado ao acaso, fora do seu tempo, às vezes, é peça única do processo mnemônico da história.
5. LABIRINTO DE PEDRA
Este é um filme de ficção em linguagem de documentário que resgata encontros perdidos e retoma, poeticamente, com trechos e esquetes, situações e histórias, cheias de detalhes significativos, na visão modernista, autofágica, desse médico e escritor enigmático chamado Pedro Nava.
A partir de sua obra biográfica, o espectador é convidado a visitar o universo de imagens e sons em que quase tudo transcorreu - As casas, as ruas, as cidades e suas diversidades culturais, os casos e estórias, que correspondem aos diversos caminhos narrados e percorridos pelo célebre mineiro - da infância à adolescência, da maturidade à morte. O retrato do seu personagem, contextualizando-o no cenário da civilização brasileira.
Este labirinto é reconstruído livremente a partir de suas memórias - até culminar no silêncio enigmático dos telefonemas não atendidos, cinematográfico prenúncio do seu fim, limite entre a ficção e o documentário...
Pedro Nava nasce em Juiz de Fora em 1903 e inicia a escrita das Memórias em 1968, após ter-se aposentado da profissão de médico, exercido durante mais de 30 anos. A sua experiência literária, iniciada na em 1920, em Belo Horizonte, contou com a companhia dos jovens escritores que começavam a se integrar ao movimento modernista de São Paulo. Carlos Drummond de Andrade, Abgar Renault, Emílio Moura, entre outros... O encontro de Nava com a literatura viria cumprir um compromisso com os colegas de sua geração. Ele começou a escrever tardiamente suas memórias, o primeiro título delas, o "Baú de Ossos", foi lançado em 1972, quando ele tinha 69 anos. “Depois veio Chão de Ferro” que fala do seu retorno a Minas para ingressar na Faculdade de Medicina, em 1921. Em pouco mais de uma década deixou escrito seis livros.
Labirinto conta um pouco dessa história - da geração modernista e universitária de Belo Horizonte e de sua vida no Rio de Janeiro.
Suas memórias são narradas em estilo majestoso e mitificadas. A 13 de maio de 1984, Pedro Nava busca a morte na Glória, e se mata com um tiro. “Morte literária, trágica, inexplicável e exposta como espetáculo em ambiente público, sem que o escritor terminasse "Cera das almas", sétimo livro de sua obra. "Um tiro na memória" (Affonso Romano de Sant'Anna)
A atriz Maria Gladys e Grupo de Dança de Izabel Costa são os meus convidados especiais neste filme.
6. UM FILME 100% BRAZILEIRO
Uma ficção modernista sobre a vinda ao Brasil do grande poeta e aventureiro francês Blaise Cendrars, que amou a nossa terra mais do que ninguém, durante o carnaval, no Rio de Janeiro de 1924. Depois escreve um livro contando as três histórias por ele aqui vividas: Febrônio Índio do Brasil; O Lobisomem de Minas; Coronel Bento, que neste filme são retratadas, reescritas, em textos cinematográficos.
“... Um filme 100%Brazileiro é uma experiência avançada e revolucionária, tanto no que diz respeito à releitura da obra de Cendrars, quanto às inúmeras facetas da transposição cinematográfica... é uma espécie de divisor de águas, fazendo ponte entre certas heranças do Cinema Novo e alguns aspectos do cinema de Júlio Bressane e Rogério Sganzerla, mas com total autonomia e independência por parte de seu autor.” Jose Tavares de Barros,, crítico e professor de cinema na UFMG para a revista Cadernos de Cinema.
“Obra experimental, difícil, mas importante... Um Filme 100%Brazileiro é uma obra belíssima. Uma fotografia caprichada, perfeita cenografia e uma trilha sonora de Luiz Eça (Tamba Trio) que tranquilamente merecia ser premiada nos festivas em que o filme foi exibido...” Aramis Millarch no jornal O Estado do Paraná.
“…Sette plunges the viewer from one exotic scene into the next, filling his film with visual and literary references which will be lost on many…” Films Reviews, Variety, EUA, 1987.
Curtas e Médias Metragem
(em ordem de exibição)
1. AMAXON (pré-estréia)
Laura Marques é uma escritora de sucesso. Ela é casada com um apresentador de tevê chamado Lourenço Marques. Laura sai da grande cidade e se refugia em sua casa de veraneio para escrever um novo livro. De lá ela pode observar a imensidão do mar e nele buscar a inspiração para toda a sua obra, aclamada pelo público e pela crítica. A história começa quando ela escreve o final do último capítulo de “Os Homens que não Tive” e finaliza toda a escrita, feita a mão, com sua caneta tinteiro. Digitalizado o texto ela remete para o seu editor. Antes de voltar para cidade, uma série de acontecimentos sinistros na natureza transforma o seu universo existencial. O que é prosa torna-se poesia e depois ficção. Realismo fantástico. Um mundo dual e agressivo. Mundo onde o sentir se apresenta como sendo um novo texto. Onde o ver, maquiando a criação em uma nova roupagem, propõe uma nova imagem, um novo som, nunca ainda experimentado. É o despertar desse novo momento da criação que a história conta. O renascer pela verdade mágica da arte oculta na poesia e em prosa cinematográfica - Entre a prosa e a poesia, tudo é novo! Tudo é verdade! Tudo é mentira! Tudo são sonhos e às vezes pesadelos. Esses são os processos criativos em que ela se envolve: A escrita fala, narra e dialoga com ela. A memória é viva, sem limite e se expressa por imagens cinematográficas, citações perdidas no tempo. Essa nova roupagem quer buscar no entendimento dos fatos, na lucidez dos seus últimos dias, o barco, a fuga, que leva a sua personagem para o transmutado e tempestuoso mar, sofrendo, no desespero do conhecimento, uma profunda solidão. É preciso que o mar novamente invada a terra, transformando a paisagem do grande continente em uma ilha, para que o equilíbrio, justo e universal do ser criador, possa ser reconquistado. É nesta ilha habitada por Calibã, que Laura, filha de Próspero, nasce uma nova mulher, uma deusa - Amaxon! Uma guerreira. - O filme é um manifesto poético sobre a arte da criação em um mundo desequilibrado, perdido, sufocado e desesperado. É um filme dos significados e dos significantes mais profundos do ser e do não ser.
AMAXON (Primeira Crítica)
“Uma coisa são sempre duas: a coisa mesma e a imagem dela. ”CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE “AMAXON, UMA ODISSÉIA NA CRIAÇÃO PENSADA “Em memória de Jairo FerreiraTalvez tenhamos nos transformado nessa máquina horripilante de negação dos sonhos! E no que trituraram todas as singularidades, fomos transformados num exército de múmias, de burocratas, de deslumbrados e idiotas. Uma nova encenação do que seja, não pode ser mais uma condenação a nociva prostituição, achatada à TV. Deve-se ousar na desarmonia, do desnudamento da carne e do abandono na subjetividade. Ora, se o cinemão se realiza sem subjetividade criativa alguma, a nós deve interessar fundamentalmente uma nova linguagem gerada na teatralização de transcendências. Acrescente-se a isso que o país vive do seu esvaziamento a 509 anos, e mais programadamente a 55 anos. Ou seja, desde o golpe militar de 1964. Ora, como purificar artesanalmente esta quantidade infindável de urina e excremento?“AMAXON” é um esforço poético-radical, para nos fazer pensar na complexidade do processo criativo. Ora, de que nos adianta fazer trabalhos de encomenda? Cinema virou filminho publicitário? O que muda nessa falência global de desencontros? O mundo hoje visto pela TV, é só o lixo como mercadoria de quinta, obviamente espetacularizado. Putas e canastrões são vendidos como profundos e sensíveis. Mas a quê? A “nota”? José Sette vai no sentido contrário de tudo e todos, elaborando com o seu terceiro longa-metragem, uma projeção de palavras a serem pensadas, fazendo um delicado filme que dá representabilidade a um pensamento sombrio expressivo, nessa sua transfiguração da normalidade do processo de criação. Sette vai aos extremos, numa escalada implacável rumo à uma poesia ainda que delicada, difícil para o grande público, todo condicionado a Hollywood e a TV. “AMAXON” é o hospital-Brasil, em que todos somos condenados. A personagem da escritora reage ao internamento e tratamento, e se debate com uma coragem incrível. A linguagem do filme atravessa uma infinidade de vísceras, infernos e imaginações. A carne-viva exposta, torna-se uma espécie de gozo-trágico. Um filme-dor que nos remete ao teatro de Artaud. Incomodo aqui. Indizível ali. Longe e próximo de todos nós que sobrevivemos ao apocalipse de 1964. Não poderia ser um filme diferente. Foi difícil não apodrecer junto, e continuar sonhando com um Brasil mais justo, humano e para todos. Ainda assim, salvaram-se os poetas e artistas. Vera Barreto como escritora, é uma espécie de vísceras expostas; sendo recolhidas para continuar a ser demasiadamente humana.Pouco importa que não seja um filme fácil, ou para muito. É cinema! Uma cinema que emerge de toda essa putrefação de 1964 à 2009. Sette trabalha com precisão a sua não-linguagem fácil, pois lhe interessa mais um fluxo poético de contradições gramaticais voltadas para o pensamento-profundo e o cinema autoral. É o velho-jovem cineasta independente que agiganta sua escritora na solidão e na coragem de não ser comum. Que entre só sofrer e morrer, prefere escrever enfrentando os seus muito demônios. Que lê, bebe, fuma... se debatendo entre contradições geradas na TV, por um jornalista que como todos, espetaculariza o caos ameaçando com a onda gigantesca, definitiva. Onda que até é mostrada, mas que não chega pois é apenas uma manipulação da comunicação, do dinheiro e da morte que sempre nos acompanha.E se a representação do mundo e da política se tornou imbecil, compete a arte transformar todo esse excremento, numa espécie de teatralização de uma “escrita-física” que Vera Barreto faz muito bem, num trabalho raro e exemplar, onde se realiza em sua intimidade frente a insatisfação da obrigação: a do livro de encomenda que precisa ser escrito. E uma vez mais, o conceito de subordinação ao dinheiro como a arte terapia dos tantos e tantos eletrochoques de nossas vidas. É onde os porco se acham mais fortes.Entre livros e copos de vinho, em sua solidão pensa na grande onda da sua insatisfação. A onda que está fora, está dentro e que desencadeia contradições levando-a nua aos seus próprios limites grandiosos de exposição poética. É uma escritora, mas é também atriz e mulher. E que ao entregar-se as suas pulsões transforma-se em crítica de si mesma, ainda que aguçando o seu desprezo pela “lógica” imperceptível da mercadoria e do consumo. O sistema sabe bem o que faz, e se não tivermos um mínimo de sonhos, seremos transformados em imagens despotencializadas e vazias. A TV não faz isso todos os dias?Sette não faz um cinema-coisa, a logo ser esquecido ou descartado. Nesse ponto aproxima-se de Tonacci, Sergio Santeiro, Eliseu Visconti, Jorge Mourão e da nova geração. E se “o mundo é apenas engano”, como afirmava François Villon, “AMAXON” o subverte desprezando o patamar qualitativo do sucesso fácil. Arbitrário como postura, investe no estilo insurrecional como ruptura e negação do obscurantismo avançado da domesticada política cultural do governo, seja lá de que Partido for. E não são todos iguais lutando apenas pelo poder? E se a chantagem e o obscurantismo servem ao poder, de nada serve um cinema essencial a representabilidade de uma vanguarda que não conseguiram matar. E que hoje convence muito mais que no passado.É preciso frisar a importância de um filme feito do nada e que não se reduz a razão que tudo tenta explicar. Nesse sentido reintroduz no cinema brasileiro, complexas subjetivações necessárias ao crescimento de um público menos contaminado por Partidos, por prostíbulos e pela TV, pois transgride permanentemente a ordem como instituição sagrada. A Sette e sua equipe interessa abandonar o manicômio das disciplinas do certo e do errado, sem sacrificar mais nada. Ao seu cinema interessa as diferenças e os deslocamentos possíveis, como acesso a um permanente ultrapassar-se. Sua trajetória é impar no nosso cinema. É um experimentador muito além do buraco negro em que transformaram o cinema brasileiro, e que fez um novo filme de uma lucidez atrozmente insuportável.Sette torna profundo e feminino o discurso da personagem da escritora, e com suas imagens poderosas desfaz o território pouco ou nada significativo da TV, pois faz Cinema! Dá significação a um novo olhar. Enfim, produz intensidades poéticas. “AMAXON” são pedaços restituídos a um corpo ainda que amordaçado pelo tempo que passa para todos, poderoso e uma vez mais agigantado, pois se assume, indo além da representação e da escrita. E a vida que não deveria ser pobre e empobrecida como é, torna-se gozo por parte de todos. Filme infinito ao reinventar a criação simbólica imperfeita. Ainda bem.LUIZ ROSEMBERG FILHORJ, 2009
2. BANDALHEIRA INFERNAL
Um filme de longa metragem, preto e branco, experimental, “... marco do Cinema de Invenção, segundo Jairo Ferreira” filmado em 1975, sem história, sem roteiro, sem sinopse, guiado apenas, durante os sete dias de suas filmagens, pelo sentimento da vida opressiva, paranóica e obsessiva dos perseguidos. Uma metáfora sobre o conflito ideológico-político passado entre a ação e o pensamento repressivo da direita predadora e cruel, contra uma esquerda neurótica, autofágica e confusa. Um filme sobre a perseguição, a repressão e a desumanização do povo brasileiro.
Maré tá cheia!
Era quando o “doce” ainda era “ácido” e os conjurados se reuniam no pier de Ipanema. A mordaça era dupla (e a que apertava mais, podem crer, era a stalinista) e nossos ouvidos eram detonados a “telefonemas”. A saída dos caretas era fazer tudo de uma vez e o mais rápido possível, afinal anunciavam e garantiam que o mundo ia se acabar. Para nós, se acabasse, que importava? Outro melhor, muito melhor, estávamos construindo, pelo menos em nós mesmos, em meio àquela bandalheira infernal.
Foi ele (o que se acabava e de fato se acabou, e no qual hoje em seu entulho vivemos) que o olho-de-peixe do inconfidente José Sette (José de Barros em 78), um pouco à maneira do kino-glass de Dziga Vertov, um pouco ao “Limite” de Peixoto e bastante à sua própria e confidencial maneira, no momento exato da sua derrocada final, registrou em película 35 P&B.
Porém os náufragos de “Bandalheira Infernal” naufragam no asfalto, nos apartamentos de classe média, no trânsito corrosivo das metrópoles, nos morros e florestas da paisagem mágica do Rio de Janeiro, e vivem sempre perseguindo as suas próprias sombras e por elas continuamente sendo perseguidos. Cada quebrada, cada esquina, é a esquina do medo; o medo permanente e neurótico do inesperado, do incerto, do inseguro, o medo, enfim, de si mesmos, de sôfregos penitentes e derradeiros personagens de um mundo que rolou ladeira abaixo. - Mamãe!...
O contraponto deste erro cósmico-kármico-pequeno-burguês, tão bem fotografado neste filme, no ato exato de sua cômica tragédia, e que nos exibe o retrato editado e falado daquilo que até hoje nos faz penar neste paraíso em plena América do Sol, do Sal, do Sul, vem na linguagem libertária do seu discurso cinematográfico, na postura irreverente da sua dramaturgia, na poesia hermética da sua criação, e, principalmente, na revelação de uma nova direção de cinema e de um estilo novo; um estilo de cinema-plástico, gráfico e contemporâneo até a alma. Vejam-no agora na tela: “o antigo que foi novo é tão novo como o novo mais novo”. Navegarbrasiliaterra.
Sim, leitor, estamos falando de Arte, sacou? Arte Maior! Biscoito fino, diamante legítimo, coisa rara, muito rara mesmo, nessa atual maré cheia de mediocridade. Algo para os (não poucos, mas raros) que sabem onde encontrar a essência da beleza e senti-la em toda a sua intensidade. Por isso que malandro (aquele que tem olhos livres e vê) tá sabendo que quando maré tá cheia é melhor entrar na areia. Porque na areia tem mais peixe que no mar.
Mario Drumond
3. O REI DO SAMBA
O meu cinema é poesia e invenção.
Um admirador dos sambas de Geraldo Pereira
Sabe, por suas musicas e letras, cheias de malícia
e de intuição criativa, quais foram os grandes
momentos deste genial compositor.
Traçar um pequeno retrato cinematográfico
de parte da obra e da vida deste mineiro que
foi carioca, mulherengo,malandro, brigão
é que é o xis do problema.
O Rei do Samba é cine-poema musical popular, que leva para ficção o sonho de uma pequena parte da vida e da obra de um compositor brasileiro chamado Geraldo Theodoro Pereira.
O Rei do Samba é viagem de volta, é o novo descobrindo o antigo que foi novo e revelando-o, aos poucos, nas mãos hábeis de cabrochas ocultas e mães de santo alinhadas na encruzilhada dos incrédulos.
O Rei do Samba é o Querebetam secreto das divindades africanas, é ioruba-jeje, vodu elegante de malandras linhas cortadas pelo aço do santo guerreiro no sincretismo da raça afro-brasileira.
O Rei do Samba é a ginga do bamba, na composição moderna e inventiva do samba, no ritmo sincopado do breque ligeiro, no sinuoso corte de uma edição 100% brasileira.
O Rei do Samba é trem de Minas, é bossa nova que leva para o mundo as nossas riquezas, como dizia o poeta Carlos Drumond, “... e ainda da de pinga a nossa pré-história”.
O Rei do Samba é o barroco, é o limite das formas, é o mineiro, é o descobrimento de uma janela mágica no simples vagão de um trem caipira. É o melhor do samba carioca
O Rei do Samba não é um só, são muitos, mais de duzentos artistas, todos competentes amadores, uma extraordinária gente, personagens lendários que se envolveram até a alma neste filme de vanguarda popular.
O Rei do Samba é o cinema popular como forma de expressão criativa e cultural.
O Rei do samba é um filme que dispensou ao povo brasileiro uma atenção única, pois foi feito no nosso seu interior, com ele, por ele e para ele.
O Rei do Samba é Geraldo Theodoro Pereira, nascido no dia 23 de abril (dia de São Jorge Guerreiro) de 1918 em Juiz de Fora / MG.
O Rei do Samba é o malandro brasileiro sambista Gerson Rosa, que comigo subiu o morro do Santo Antônio, em Minas Gerais, para nunca mais voltar.
O Rei do Samba é ficção, é musical, é sobre a vida e as músicas do genial compositor popular Geraldo Pereira. Com
O Rei do Samba é o sambista Gérson Rosa e a passista Rosana Silva.
O Rei do Samba é a fotografia de Mauro Pianta, feita em película Super16mm; é a edição beta de Papaulo; é a direção musical de Kin Ribeiro, com arranjos do pianista Márcio Hallack e é o som direto de Wanderley Nazareth.
Duas Matérias de Jornais:
Sobre o Diretor:
“A Câmara mágica de José Sette” escrita pelo crítico de cinema Ricardo Gomes Leite na coluna de cinema do jornal “O Estado de Minas“:” ... a sua matéria prima cinematográfica encontra-se espalhada por este Brasil afora, ela é a natureza primitiva das coisas e do homem ... mostra que seu cinema não é convencional que não se limita a documentar passivamente a realidade... no enquadramento ele já revela a sua inquietação, sua vontade de expressar sua visão pessoal do mundo - e do cinema. ... um cinema capaz de flertar com uma rocha e de mostrar sua vulnerabilidade... O cinema de José Sette tem a inquietude própria do mineiro, decidido ir até o fim das coisas, é um cinema garimpeiro, explorador, em busca de um instante de magia no interior de um caos aparente.”
Sobre o Filme:
“A gnose do gogó”, crítica escrita por Gilberto Felisberto Vasconcellos, sobre o filme “O Rei do Samba” para o jornal “Folha de São Paulo” em 1999.
“... o que chama atenção foi a ausência de atores profissionais, ... no filme a vedete é o povo. O filme de José Sette tira leite de pedra, é a ficção da ficção, porque não está baseado em nenhum texto literário, nem tão pouco em letra de música. Nem prosa nem poesia. A imaginação foi a sua única quimera e fonte de filmagem... eis aí diante dos olhos do espectador o específico fílmico, porém alicerçado na memória histórica...”
4. LIBERDADE
Minas é o berço da liberdade.
Ficção de longa metragem e documentário sobre os acontecimentos políticos de 1982, ano da Abertura, com a participação de políticos e artistas mineiros, com o ator Ronaldo Brandão e a participação especial do Presidente Tancredo Neves.
“Liberdade é um importante documento sobre a recente história da política mineira. Seu registro de imagens, sua abordagem poética da memória, sua estética que é nova ao documentar a abertura democrática no Brasil, passa da política às artes, cata os cacos do país e reconstrói suas imagens que se achavam perdidas. A dinâmica linguagem do vídeo, novidade tecnológica na época, a edição ágil e enigmática, vai deixar os espectadores surpreendidos, encantados e às vezes assustados com o que surge no monitor.”
Liberdade dos Inconfidentes; de Ottoni; da anti-liberdade no pensamento reacionário de 64; dos românticos de Cuba; do amor e do sonho de outrora; de todas as utopias; da juventude rebelde e indomável; do homem sem medo, sem fome; “Liberdade! Sempre será o primeiro compromisso de Minas com o povo brasileiro.” Dizia Tancredo Neves.
Liberdade em arte, como em toda cultura, é buscar o novo; é aflorar o oculto; é transformar os estilos; é apurar a linguagem; é elevar o espírito do observador. Sei que não haverá mudanças bruscas nos padrões preexistentes de nossa cultura, sem a contribuição do acaso, sem o envolvimento político dos poetas, dos artistas, iniciando a marcha revolucionária transformadora. Creio na revolução – na revelação antropofágica dos trópicos; na mistura dos cânticos; no sol e na sombra; no espaço e no tempo que a todos destrói; e creio na redenção da arte. Este filme foi feito com arte e liberdade.
A posse de alguns documentos que estavam perdidos, cacos do acaso, transformou o estilo do documentário existente, em um ensaio poético do pensamento político mineiro, sem perder a autenticidade, ao contrário, realçando conflitos e buscando a verdade contida em todas as reflexões possíveis do cinema, no pequeno espaço do seu tempo.
Um documento achado ao acaso, fora do seu tempo, às vezes, é peça única do processo mnemônico da história.
5. LABIRINTO DE PEDRA
Este é um filme de ficção em linguagem de documentário que resgata encontros perdidos e retoma, poeticamente, com trechos e esquetes, situações e histórias, cheias de detalhes significativos, na visão modernista, autofágica, desse médico e escritor enigmático chamado Pedro Nava.
A partir de sua obra biográfica, o espectador é convidado a visitar o universo de imagens e sons em que quase tudo transcorreu - As casas, as ruas, as cidades e suas diversidades culturais, os casos e estórias, que correspondem aos diversos caminhos narrados e percorridos pelo célebre mineiro - da infância à adolescência, da maturidade à morte. O retrato do seu personagem, contextualizando-o no cenário da civilização brasileira.
Este labirinto é reconstruído livremente a partir de suas memórias - até culminar no silêncio enigmático dos telefonemas não atendidos, cinematográfico prenúncio do seu fim, limite entre a ficção e o documentário...
Pedro Nava nasce em Juiz de Fora em 1903 e inicia a escrita das Memórias em 1968, após ter-se aposentado da profissão de médico, exercido durante mais de 30 anos. A sua experiência literária, iniciada na em 1920, em Belo Horizonte, contou com a companhia dos jovens escritores que começavam a se integrar ao movimento modernista de São Paulo. Carlos Drummond de Andrade, Abgar Renault, Emílio Moura, entre outros... O encontro de Nava com a literatura viria cumprir um compromisso com os colegas de sua geração. Ele começou a escrever tardiamente suas memórias, o primeiro título delas, o "Baú de Ossos", foi lançado em 1972, quando ele tinha 69 anos. “Depois veio Chão de Ferro” que fala do seu retorno a Minas para ingressar na Faculdade de Medicina, em 1921. Em pouco mais de uma década deixou escrito seis livros.
Labirinto conta um pouco dessa história - da geração modernista e universitária de Belo Horizonte e de sua vida no Rio de Janeiro.
Suas memórias são narradas em estilo majestoso e mitificadas. A 13 de maio de 1984, Pedro Nava busca a morte na Glória, e se mata com um tiro. “Morte literária, trágica, inexplicável e exposta como espetáculo em ambiente público, sem que o escritor terminasse "Cera das almas", sétimo livro de sua obra. "Um tiro na memória" (Affonso Romano de Sant'Anna)
A atriz Maria Gladys e Grupo de Dança de Izabel Costa são os meus convidados especiais neste filme.
6. UM FILME 100% BRAZILEIRO
Uma ficção modernista sobre a vinda ao Brasil do grande poeta e aventureiro francês Blaise Cendrars, que amou a nossa terra mais do que ninguém, durante o carnaval, no Rio de Janeiro de 1924. Depois escreve um livro contando as três histórias por ele aqui vividas: Febrônio Índio do Brasil; O Lobisomem de Minas; Coronel Bento, que neste filme são retratadas, reescritas, em textos cinematográficos.
“... Um filme 100%Brazileiro é uma experiência avançada e revolucionária, tanto no que diz respeito à releitura da obra de Cendrars, quanto às inúmeras facetas da transposição cinematográfica... é uma espécie de divisor de águas, fazendo ponte entre certas heranças do Cinema Novo e alguns aspectos do cinema de Júlio Bressane e Rogério Sganzerla, mas com total autonomia e independência por parte de seu autor.” Jose Tavares de Barros,, crítico e professor de cinema na UFMG para a revista Cadernos de Cinema.
“Obra experimental, difícil, mas importante... Um Filme 100%Brazileiro é uma obra belíssima. Uma fotografia caprichada, perfeita cenografia e uma trilha sonora de Luiz Eça (Tamba Trio) que tranquilamente merecia ser premiada nos festivas em que o filme foi exibido...” Aramis Millarch no jornal O Estado do Paraná.
“…Sette plunges the viewer from one exotic scene into the next, filling his film with visual and literary references which will be lost on many…” Films Reviews, Variety, EUA, 1987.
Curtas e Médias Metragem
1. ENCANTAMENTO
Gilberto Felisberto Vasconcelos
Jornalista da Folha de São Paulo
“Meninos, eu ouvi!
Posso dizer com o poeta: eu tive o privilégio de ouvir a fita do filme realizado pelo cineasta José Sette sobre o extraordinário compositor, paulista e brasileiro, Camargo Guarnieri. Uma beleza! Se a banda sonora é assim, imagine o que será o filme visto na tela.
No ano de 1986, em Belo Horizonte, comemorando os seus 80 anos, regendo a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, Camargo Guarnieri foi filmado pela
câmera de José Sette, a partir de um convite jubiloso do maestro Aylton Escobar. Dai nasceu o filme, que é uma espécie de Ensaio de Orquestra em cima de um improviso musical feito sobre um improvisador nato: Camargo Guarnieri, que aliás não sabia que iria ser filmado.
A acústica desse filme é um documento singular e precioso que retrata o nacionalismo musical de Camargo Guarnieri, juntando Villa Lobos e Mário de Andrade, tanto na composição quanto na regência, através de uma simbiose inusitada que José Sette registrou ao aproveitar a qualidade da voz de Camargo como locutor de si mesmo e da alma sonora do Brasil.
Eu fiquei comovido com os intervalos entre a fala do compositor e suas músicas, regendo com exposição didática o delírio de um dos pontos altos da música brasileira.
Eu tive a nítida impressão de estar ouvindo os gestos de Camargo Guarnieri ao perguntar: - você entende o Brasil? Camargo Guarnieri ouviu o Brasil de ponta a ponta. Em suas composições há de tudo, principalmente a presença da natureza e do folclore, a base da expressão musical nacionalista. Por outro lado, José Sette auscultou a sensibilidade de Camargo não apenas como compositor, mas como homem brasileiro interessado no destino de sua terra: você entende o Brasil? É essa pergunta o que norteia a regência maravilhosa do compositor Camargo Guarnieri”.
“... mas o que comandou mesmo a noite foi o cinema. Não poderia ser diferente. O belíssimo documentário de Jose Sette estabeleceu imensa empatia com o público. Todo o carisma de Camargo Guarnieri, acompanhado da magia de suas composições, ilustradas por referências plásticas, comoveram quem assistiu ao filme”. Caderno Civilização - Jornal de Brasília.
2. A JANELA DO CAOS
Depois da Roma ocre de Alexandre Eulálio - A Poesia em Pânico - Reencontramos o poeta modernista e/ou a sua sombra em Minas Gerais.
Juiz de Fora é a sua cidade. Procuramos por ele e ninguém sabe nos responder. Subimos as escadarias do tempo. Na casa do passado, repleta de seus objetos pessoais, ele nos espera ouvindo a música de seus compositores prediletos. Balançando, sentado, andando ao lado das janelas, na luz azul do museu, deslumbrando o futuro por entre quadros de artistas famosos, podemos vê-lo saudar o velho rio Paraibuna. Da Janela do Caos. Este é o cenário onde se constrói as imagens desse encontro. As seqüências possuem uma atmosfera surrealista, quase angelical e Murilo, aos poucos, remexendo coisas pela casa, navegando “travelling” nas suas memórias, envolve-nos no universo das histórias brasileiras: O cometa Halley. A fuga do colégio de Niterói, para ver Nijinski dançando. O bancário anarquista e seus amores.
Tornando-se cinema – neo-realista – A Janela do Caos tem a cor de Roma, expressa e impressa na fotografia e no enquadramento. Mozart regendo de casaca alguns músicos negros e índios. Da Itália de Dechirico, a Portugal de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, ao Real Gabinete de Leitura Portuguesa. Remexendo em sua contemporaneidade, este belo rebelde ser iluminado, nos eleva o espírito, não nos fala, pressente: - Só o futuro é moderníssimo!
O Filme metaforicamente documental traça a trajetória poética de Murilo Mendes, dos acontecimentos singulares da sua infância e adolescência em Minas Gerais, até a maturidade vivendo entre Roma e Lisboa à sua última morada.
3. VERTIGEM
Ao conhecer à obra de um grande artista fico possuído pela idéia de penetrar na alma do homem, do criador, do que está nele oculto.
Era impressionante aquela pequena exposição: vendo-a, vivi, com atenção, um momento único, um mundo novo, belíssimo e desconhecido, povoado por figuras ocultas em desenhos provocantes.
Intrigaram-me as imagens fortes, a técnica esmerada, os traços leves e precisos daqueles desenhos repletos de símbolos fantásticos. Fiquei assustado por ainda não conhecê-lo, era sem dúvida um artista além do seu tempo. Agora, passados 25 anos destes acontecimentos, vivendo em Juiz de Fora, eu pude realmente entender, através dos depoimentos de seus amigos mais íntimos, dos seus textos publicados, observando de perto o seu trabalho de expressiva criação e erudição profunda. A boa arte presa ao olhar atento do criador no traço armado de infinitas informações contidas, que é a grande marca de sua obra. Assim cresceu-me o desejo, à vontade, os motivos, a necessidade, de se fazer um filme sobre o mundo oculto desse genial artista. “VERTIGEM” - surrealista, musical, experimental. Uma homenagem do meu cinema de invenção ao universo poético das imagens sem fim do artista plástico ARLINDO DAIBERT.
4. UM SORRISO POR FAVOR
Documentário sobre Osvaldo Goeldi, famoso gravador e artista carioca que tem a sua arte pontuada pelo cinema expressionista alemão. Goeldi, desenhista, gravador e professor. Era filho do naturalista suíço Emílio Augusto Goeldi. Residiu em Belém, enquanto seu pai organizava o Museu do Pará. Aos seis anos de idade, partiu para a Suiça com sua família. Regressa ao Brasil em 1919 e em 1921 expôs seus desenhos no Liceu de Artes e Ofícios. Em 1924 conhece Ricardo Bambi; artista plástico, com quem inicia a técnica da xilogravura. Em 1937 faz as ilustrações do livro "Cobra Norato" de Raul Bopp, onde utiliza pela primeira vez a cor. Foi professor de gravura na antiga Escola Nacional de Belas-Artes, Rio de Janeiro, até o seu falecimento em 1961. Premiado com o melhor filme e melhor montagem - Rogério Sganzerla - no Festival de Cinema de Brasília de 1982 – este filme foi convidado para o Festival de Cinema de Oberhausen, na Alemanha em 1983.
“ ...uma figura que nunca é vista na faixa de luz em que se mostram os outros, alguém que parece não pertencer quase a vida cotidiana, mas que é um recôncavo de ressonância para as vibrações do mundo. Jose Sette procurou captar essa luz difusa em que parecia estar mergulhado o homem Goeldi... um levantamento do repertório expressionista com seus jogos de luzes cenográficas, deslizando por eles as imagens das gravuras e dos desenhos... um clima fantástico criado a partir da retícula da televisão ou fazendo aparecer em cena um urubu.” Wilson Coutinho – Jornal do Brasil – 1981.
5. EU E OS ANJOS
Augusto dos Anjos
Um poeta singular.
Um Poeta Inovador.
O poeta da decomposição e dos vermes...
Augusto dos Anjos é, ainda hoje, passado oitenta e seis anos, um poeta popular.
Gilberto Freire diria: “os olhos que hoje lêem EU continuam a ser mais bocas que olhos”... “poemas lidos (vistos e ouvidos) com um gozo sensual de quem chega a repeti-los pelo puro prazer de saboreá-los”.
Ninguém passou por tamanha dor.
Ninguém se aprofundou tanto no sobrenatural.
Ninguém foi tão completamente só.
O teatro e o vídeo foram os meus espaços de criação
Quando se discute a morte e a vida e/ou de onde viemos e para onde vamos. Quando se pode participar, com distanciamento, como convidado especial, da ilação teatral a partir da poesia vinda de um fenômeno modernista desconhecido, antropofágico e faminto, do início do século, nada poderá nos impedir de saborear biscoitos tão finos. É como pedalar pelo corpo das cidades em que eu passeio com a minha bicicleta. Deixar as coisas, os sentimentos, gestos, sons, palavras, pessoas, passarem por mim, observá-las sem me fazer notado. Pois sou um anjo urbano que se refugia na escuridão do palco à espera do momento único e sagrado de acender as velas e achar, no ponto de luz, a projeção de uma sombra extraordinária. “Uma noite como esta reflete nitidamente a psicologia de um povo que expeliu por um instante toda a bílis recôndita da sua raça, e descansou um pouco da insipidez fastidiosa das nossas retretas, onde instintivamente se move, arrastando um tédio concentrado, numa gesticulação circular de manivela”. Embora o parnasiano Bilac o tenha desdenhado e o Rio de Janeiro o maltratado, Augusto dos Anjos, “um poeta singular”, como disse Carlos Drummond, é o poeta mais conhecido e admirado pelo povo brasileiro. Foi o nordeste e o interior do país que lhe salvou a fama póstuma. Por mais paradoxal que possa ser o poeta da decomposição e dos vermes, das composições naturalistas repletas de palavras difíceis e rebuscadas no cientificismo da época é, ainda hoje, passados noventa e cinco anos de sua morte, um poeta Popular. Da Paraíba do Engenho do Pau d’Arco à Leopoldina mineira, viveu uma vida sofrida e ignorada por pouco mais de trinta anos. Poeta metafísico repleto de denúncias sociais, eu posso dizer até que ele é comovente quando retrata a miséria do homem brasileiro, delineia em imagens cáusticas a vida e a morte do nosso interior esquecido. Ninguém do movimento modernista, que aconteceu oito anos depois da sua morte, descobriu o grande antropofágico poeta que ele era. Ninguém se aprofundou tanto no mistério humano, chegando a criar uma poética única, simbolista, que traz em suas imagens, aparentemente fatídicas, distorcidas, a marca moderna do expressionismo em nossa contemporaneidade. O filósofo naturalista extremado era um poeta maldito no final do século dezenove. Bilac, considerado o “príncipe dos poetas”, em sua época, dizia que os poemas de Augusto “era o extremo do mau gosto”. Ora, como ele estava errado! Como ele se enganou e como todos se enganaram: “Poeta de necrotério”, chamava-o nas reuniões os intelectuais cariocas. “Poeta do horror” era o mínimo que se dizia de um dos maiores poetas brasileiro. “Eu e os Anjos” - é um vídeo, uma homenagem àquele que veio de outras eras - com o extraordinário ator Kimura Schettino, feito para ele, pois só ele, um homem do povo, um ator popular, pode “fingir que é dor a dor que deveras sente”, como bem disse o poeta Fernando Pessoa. Com depoimentos de Ferreira Gullar, Ledo Ivo, Ivan de Albuquerque e Alexei Bueno, este vídeo-documentário e teatral, expressa sentimentos, brinca com o tempo, atravessa pelos espaços cênicos retratados, conduzindo os nossos personagens através da estética do movimento cinematográfico alemão do expressionismo. Mas foi para o ator partido, dicotômico, que eu relacionei a dramaticidade das imagens poéticas na edição e na construção de uma viagem pelo sobrenatural e metafísico mistério de um personagem brasileiro. Um banquete regado pela grandiloqüência wagneriana misturada aos enigmáticos sons da guitarra de Hendrix.
Augusto era um homem puro, um evolucionista, leu Spencer e Darwin e sabia ouvir, morreu novo e só agora está sendo reconhecido como o grande poeta que é. Mas quando li a sua poesia senti, sem saber, que ela tinha forma, peso e gosto. “Eu e os Anjos” é, portanto, um apaixonado mergulho entre os mistérios saborosos da vida, o doce amargo do amor e do desprezo, a observação do eterno retorno e a transcendência da morte.
6 PAISAGENS IMAGINÁRIAS
Quando Villa-Lobos compôs suas célebres Bachianas, não estava nem de longe pensando em fazer música da Baviera no Brasil; o objetivo dele, segundo suas próprias palavras, era o de “trazer a universalidade do gênio de Bach para um passeio pela paisagem e a cultura brasileiras”. Ou seja, ele queria fazer, e fez, música brasileira inspirada nas essências mesmas com que Bach – eleito por Villa-Lobos como mestre e guia espiritual do ambicioso projeto a que se propôs -, realizou toda a sua obra: as expressões sublimes da arte espontânea e original com que os povos se manifestam universalmente, por suas particularidades e diversidades.
Foi com semelhante espírito que a bailarina e coreógrafa Izabel Costa e este roteirista elaboraram e realizaram o espetáculo de dança Paisagens Imaginárias: trazer a universalidade das geniais e revolucionárias descobertas de Isadora Duncan e John Cage para um passeio pelo Brasil e, a partir delas, fazer dança brasileira.
O sucesso artístico da empreitada, sem a pretensão de compará-lo ao do nosso maior compositor, pode ser em boa parte conferido na interpretação cinematográfica do espetáculo que só um cineasta como José Sette, senhor de uma fecunda experiência na abordagem de temas audaciosos das vanguardas artísticas nacionais, poderia conseguir (ou conquistar). No caso, trata-se de uma obra de dificílima fatura em qualquer condição de trabalho, mais ainda naquelas em que a nossa produção cultural subdesenvolvida costuma propiciar às realizações de cinema independente. Trazer para a tela, em linguagem de cinema, um espetáculo cênico sempre foi um desafio e são poucos os resultados bem sucedidos em tal intento.
O segredo de José Sette, na opinião deste roteirista, está na fluência com que ele transita nos processos criativos de qualquer natureza, em particular os mais avançados e mais arriscados, e na facilidade com que, através de suas lentes, se incorpora a tais processos em que se envolve com se fossem parte dele, sem perda da qualidade de cineasta autoral, da qual nunca abre mão. Ou seja, graças à Deus, José Sette não é um especialista em registros de acontecimentos artísticos, apesar de sua filmografia ser talvez a maior neste mistér de todo o cinema brasileiro. É um cineasta que tem predileção pelas sendas perigosas da criação artística nas mais diversas expressões de linguagem, com certeza porque estas lhe provocam, antes de tudo, como neste caso também, fazer cinema.
Mario Drumond
Roteirista de Paisagens Imaginárias
Entrevista com o diretor Jose Sette, 62 anos, que está lançando o seu novo filme Amaxon.
1 - Como surgiu o gosto pelo cinema
Meu pai, um médico nascido no interior de Minas Gerais, tinha três paixões em sua vida: Mulheres; Fotografia; Política. Sua mãe, minha avó, gostava de música e poesia.
Até os meus 10 anos (1958) eu já tinha descoberto o meu amor pela sétima-arte. Meu pai possuía um projetor 16mm e tínhamos sessão de cinema em casa. Depois morava eu em Ipanema e havia ali dois cinemas na minha rua: Cine Pax e Pirajá. Passei a minha infância e adolescência nas salas de cinema vendo qualquer filme, muitos de roliude e alguns filmes brasileiros, as chanchadas da Atlântida cinematográfica principalmente. Aos quinze anos estava em Minas Gerais, Belo Horizonte, e me envolvi um grupo de jovens que me apresentaram um novo cinema, o neo-realismo italiano e o cinema novo que dava os seus primeiros passos e veio o golpe militar quando assistia pela primeira vez aos filmes revolucionários franceses da nouvelle-vague - Godart, Truffaut, e só no final dos anos sessenta foi que me apaixonei pelos filmes do extraordinário artista que foi Orson Welles. Durante o primeiro e único Festival de Cinema na capital mineira eu conheci e passei a conviver com os dois cineastas brasileiros com quem me identifiquei de imediato... digo que assisti e não gostei de Barra Vento, o primeiro filme do Glauber Rocha, mas gostei de pronto do Bandido de Rogério Sganzerla e Cara Cara de Julio Bressane, seus também primeiros filmes e com tempo fiquei amigo dos dois “enfant terrible” do cinema nacional. Neste mesmo ano, em sessenta e oito, produzi o primeiro filme do cineasta mineiro Neville de Almeida e terminei de escrever o meu primeiro roteiro de longa metragem. No início da década de setenta, auto-exilado, fui freqüentador assíduo da cinemateca francesa. Em 1975, já de volta ao Brasil, aos 27 anos, produzi, realizei e exibi, mesmo sem o certificado de censura, o meu primeiro filme em 35mm, de longa metragem, intitulado Bandalheira Infernal.
2 - Como o Senhor analisa a produção cinematográfica nacional?
A nossa indústria do entretenimento cinematográfico nacional corre, há muito tempo, atrás do prejuízo, buscando desesperadamente o sucesso de público e de se afirmar como uma empresa rentável e dominante. Com o auxílio hoje do dinheiro público, de algumas leis e muitos editais e principalmente da TV Globo, ela vem conseguindo alguns grandes sucessos individuais sem, no entanto, se afirmar como indústria. Mas não é esse o cinema que eu faço, não estou preocupado em entreter ninguém com novelas pseudorealistas da vida como ela não é. Faço do cinema poesia e da poesia cinema. Se eu e o cinema brasileiro vamos conseguir atingir os nossos objetivos só o futuro dirá.
3 - Recentemente participou de um encontro em Minas onde pode rever alguns amigos. Conte-nos como foi este encontro.
Fui convidado, juntamente com o Andrea Tonnaci, Sylvio Lanna, Eliseu Visconti, Geraldo Veloso, Luis Rosemberg, para exibir alguns dos nossos filmes durante o Festival de Inverno de Ouro Preto. Foi uma semana agradável na belíssima cidade histórica de Minas. Tenho um diário completo desta viagem publicado, com vídeo, fotos e texto, no meu blog: www.kynoma.blogspot.com
4- Neste ano o senhor lançou o filme AMAXON. Como foi a produção e como esta sendo a receptividade do filme onde passa?
Ainda não consegui lançá-lo. Mas tenho feito algumas sessões para convidados e Amaxon tem se comportado bem. De sua produção eu só posso dizer que neste filme não entrou dinheiro nenhum de editais e nem de leis de incentivo. Foi feito com suor e lágrimas. Uma grande epopéia para um artista sexagenário como eu.
5 - Nos anos 70 lançou seu primeiro filme chamado Bandalheira Infernal em 35mm. O Senhor acha importante esta nova tecnologia digital no audiovisual?
Ela viabilizou Amaxon. Embora a película tenha uma textura própria, inigualável, o vídeo tem os seus macetes, filtros e recursos digitais, que se bem utilizado, podem transformar a imagem linear e fria da gravação em uma nova textura belíssima ainda não experimentada. Isso aconteceu com a fotografia de Amaxon quando o vi projetado em mídia DVD em uma tela grande de um cinema de 300 lugares. Não é incrível?Bandalheira Infernal foi rodado em película 35mm, PB, em uma semana no ano de 1975, e por outras histórias, que de tão longas não vale a pena serem contadas, perdeu-se o negativo, som ótico, etc. Se não fosse essa nova tecnologia eu não teria hoje uma cópia betadigital do meu filme.
6 - Me parece que fora do cinema o senhor tem algumas atividades. Gostaria que falasse destas atividades. Que me parece ser a pintura e a literatura.
Gosto de trabalhar com a luz, com enquadramento, com a fotografia aliada a um pincel e sua mise-en-scène e outras vezes com uma caneta correndo sobre o papel rabiscando poemas, romances, roteiros, dramaturgia. Mas não julgo que praticando essas outras atividades artísticas estaria deixando de fora o cinema. O cinema que eu faço envolve-se com todas as boas manifestações artísticas captadas pelas minhas antenas experimentais e de invenção, sendo o mais importante que só a ele devo alguma explicação. É mais difícil fazer cinema ou escrever um livro?Pintar um quadro ou um poema?O poeta Murilo Mendes dizia que um artista pinta sempre um mesmo quadro, um poeta escreve sempre o mesmo poema, um cineasta faz sempre o mesmo filme.
1 - Como surgiu o gosto pelo cinema
Meu pai, um médico nascido no interior de Minas Gerais, tinha três paixões em sua vida: Mulheres; Fotografia; Política. Sua mãe, minha avó, gostava de música e poesia.
Até os meus 10 anos (1958) eu já tinha descoberto o meu amor pela sétima-arte. Meu pai possuía um projetor 16mm e tínhamos sessão de cinema em casa. Depois morava eu em Ipanema e havia ali dois cinemas na minha rua: Cine Pax e Pirajá. Passei a minha infância e adolescência nas salas de cinema vendo qualquer filme, muitos de roliude e alguns filmes brasileiros, as chanchadas da Atlântida cinematográfica principalmente. Aos quinze anos estava em Minas Gerais, Belo Horizonte, e me envolvi um grupo de jovens que me apresentaram um novo cinema, o neo-realismo italiano e o cinema novo que dava os seus primeiros passos e veio o golpe militar quando assistia pela primeira vez aos filmes revolucionários franceses da nouvelle-vague - Godart, Truffaut, e só no final dos anos sessenta foi que me apaixonei pelos filmes do extraordinário artista que foi Orson Welles. Durante o primeiro e único Festival de Cinema na capital mineira eu conheci e passei a conviver com os dois cineastas brasileiros com quem me identifiquei de imediato... digo que assisti e não gostei de Barra Vento, o primeiro filme do Glauber Rocha, mas gostei de pronto do Bandido de Rogério Sganzerla e Cara Cara de Julio Bressane, seus também primeiros filmes e com tempo fiquei amigo dos dois “enfant terrible” do cinema nacional. Neste mesmo ano, em sessenta e oito, produzi o primeiro filme do cineasta mineiro Neville de Almeida e terminei de escrever o meu primeiro roteiro de longa metragem. No início da década de setenta, auto-exilado, fui freqüentador assíduo da cinemateca francesa. Em 1975, já de volta ao Brasil, aos 27 anos, produzi, realizei e exibi, mesmo sem o certificado de censura, o meu primeiro filme em 35mm, de longa metragem, intitulado Bandalheira Infernal.
2 - Como o Senhor analisa a produção cinematográfica nacional?
A nossa indústria do entretenimento cinematográfico nacional corre, há muito tempo, atrás do prejuízo, buscando desesperadamente o sucesso de público e de se afirmar como uma empresa rentável e dominante. Com o auxílio hoje do dinheiro público, de algumas leis e muitos editais e principalmente da TV Globo, ela vem conseguindo alguns grandes sucessos individuais sem, no entanto, se afirmar como indústria. Mas não é esse o cinema que eu faço, não estou preocupado em entreter ninguém com novelas pseudorealistas da vida como ela não é. Faço do cinema poesia e da poesia cinema. Se eu e o cinema brasileiro vamos conseguir atingir os nossos objetivos só o futuro dirá.
3 - Recentemente participou de um encontro em Minas onde pode rever alguns amigos. Conte-nos como foi este encontro.
Fui convidado, juntamente com o Andrea Tonnaci, Sylvio Lanna, Eliseu Visconti, Geraldo Veloso, Luis Rosemberg, para exibir alguns dos nossos filmes durante o Festival de Inverno de Ouro Preto. Foi uma semana agradável na belíssima cidade histórica de Minas. Tenho um diário completo desta viagem publicado, com vídeo, fotos e texto, no meu blog: www.kynoma.blogspot.com
4- Neste ano o senhor lançou o filme AMAXON. Como foi a produção e como esta sendo a receptividade do filme onde passa?
Ainda não consegui lançá-lo. Mas tenho feito algumas sessões para convidados e Amaxon tem se comportado bem. De sua produção eu só posso dizer que neste filme não entrou dinheiro nenhum de editais e nem de leis de incentivo. Foi feito com suor e lágrimas. Uma grande epopéia para um artista sexagenário como eu.
5 - Nos anos 70 lançou seu primeiro filme chamado Bandalheira Infernal em 35mm. O Senhor acha importante esta nova tecnologia digital no audiovisual?
Ela viabilizou Amaxon. Embora a película tenha uma textura própria, inigualável, o vídeo tem os seus macetes, filtros e recursos digitais, que se bem utilizado, podem transformar a imagem linear e fria da gravação em uma nova textura belíssima ainda não experimentada. Isso aconteceu com a fotografia de Amaxon quando o vi projetado em mídia DVD em uma tela grande de um cinema de 300 lugares. Não é incrível?Bandalheira Infernal foi rodado em película 35mm, PB, em uma semana no ano de 1975, e por outras histórias, que de tão longas não vale a pena serem contadas, perdeu-se o negativo, som ótico, etc. Se não fosse essa nova tecnologia eu não teria hoje uma cópia betadigital do meu filme.
6 - Me parece que fora do cinema o senhor tem algumas atividades. Gostaria que falasse destas atividades. Que me parece ser a pintura e a literatura.
Gosto de trabalhar com a luz, com enquadramento, com a fotografia aliada a um pincel e sua mise-en-scène e outras vezes com uma caneta correndo sobre o papel rabiscando poemas, romances, roteiros, dramaturgia. Mas não julgo que praticando essas outras atividades artísticas estaria deixando de fora o cinema. O cinema que eu faço envolve-se com todas as boas manifestações artísticas captadas pelas minhas antenas experimentais e de invenção, sendo o mais importante que só a ele devo alguma explicação. É mais difícil fazer cinema ou escrever um livro?Pintar um quadro ou um poema?O poeta Murilo Mendes dizia que um artista pinta sempre um mesmo quadro, um poeta escreve sempre o mesmo poema, um cineasta faz sempre o mesmo filme.